Porquê Construir em Madeira

Construir em madeira é especial.

Desde logo porque estamos perante um material orgânico, natural, criado pela natureza, com funções específicas – como são o suporte da copa da árvore e do transporte de nutrientes – e não produzido pelo Homem, segundo uma receita, uma composição desenvolvida e testada para o efeito. Esta é a principal particularidade de construir em madeira: é essencial compreender a madeira, criado e aperfeiçoado pela Natureza. Mas, por outro lado, tendo por base o conhecimento do material, da sua organização anatómica e composição química, é possível explicar integralmente todas as suas performances e desempenhos físicos e mecânicos.

Assim, é possível identificar as seguintes particularidades da madeira enquanto material de construção:

O tecido lenhoso é composto por fibras, orientadas no sentido longitudinal do tronco das árvores. Esta organização celular, semelhante a tubos alinhados com o tronco, é a estrutura idealizada pela natureza para garantir o suporte da árvore e o transporte dos nutrientes.

Como as árvores exibem taxas de crescimento distintas – na Europa, só crescem na Primavera e no Verão – vamos ter fibras, tubos, diferentes. O lenho inicial (madeira de Primavera), de cor mais clara, é de crescimento rápido e por isso, menos resistente. O lenho final (madeira de Verão), porque cresce na presença de menor quantidade de água, é mais escuro e é mais resistente por ter um crescimento mais lento. Daí que não seja estranho para alguém que trabalha com madeira, associar a densidade às propriedades mecânicas. A uma maior densidade, ou seja, fibras, ou tubos, de paredes mais espessas, correspondem resistências maiores. As madeiras mais pesadas são aquelas que apresentam resistências superiores. Da mesma forma, a maiores densidades, normalmente associa-se uma maior durabilidade. Faz sentido, uma vez que maiores densidades, ou seja, menos vazios em consequência de fibras com diâmetro interior livre inferior, apresentam menor porosidade, logo, mais difícil é a penetração de agentes de degradação.

Já as madeiras tropicais, normalmente apresentam uma taxa de crescimento menos variável ao longo do ano, o que leva a uma maior homogeneidade no lenho, e daí uma maior dificuldade em identificar os anéis de crescimento (anel claro e anel escuro).

Esta organização celular, por fibras alinhadas no sentido longitudinal do tronco da árvore, também permite explicar o comportamento anisotrópico da madeira. A madeira tem respostas mecânicas que diferem consoante a direção de aplicação relativamente às fibras (anisotropia). Ora, um tubo, uma fibra, tem uma resistência diferente quando submetido à compressão ou à tração. E a sua resposta difere se a compressão é paralela às fibras ou perpendicular. E o mesmo se passa com a tração. Por exemplo, uma fibra quando submetida à compressão paralela ao seu eixo longitudinal sofre de encurvadura. Mas quando submetida à compressão perpendicular ao seu eixo longitudinal sobre compressão diametral e há ali um esmagamento. Já no que toca à tração, quando aplicada paralela às fibras, podemos afirmar que a resistência é boa (um tubo apresenta uma boa resistência à tração axial) mas, quando aplicada perpendicular às fibras, e como as fibras estão alinhadas no sentido longitudinal do tronco, a resistência é muito reduzida, pois é fácil separar as fibras nesta direção. É assim que o lenhador abre, racha, a madeira: colocando o machado e/ou cunhas na direção longitudinal para “abrir”, no sentido perpendicular, as fibras.

Tendo em mente esta analogia, torna-se fácil entender o efeito da presença dos nós da madeira. Um nó não interrompe as fibras, mas sim desvia-as. Quanto maior o nó, maior é o desvio das fibras relativamente ao sentido longitudinal do tronco. Maior é o desvio, maior é componente perpendicular quando submetemos um elemento de madeira à tração axial. Como a tração perpendicular é muito baixa, quando esta componente cresce, a resistência final, global, decresce. Daí que para quem trabalha na área seja intuitivo afirmar que uma madeira limpa, sem nós, ou com nós de menores dimensões, apresenta uma melhor qualidade e correspondentes resistências mecânicas superiores.

A madeira é o único material de construção que permite “apenas” pela sua apreciação visual prever o seu comportamento mecânico.

De forma errada, à madeira é normalmente associada uma baixa durabilidade. Na verdade há exemplos que demonstram que as construções de madeira podem durar séculos. Em determinadas condições, a durabilidade das construções de madeira pode ser elevada. O principal agente de degradação é a água. O mais severo é o fogo, sem dúvida. Contudo aquele que é mais frequente é a água. Embora não é a água per si o agente de degradação. Na verdade, com a presença de água, o teor de água da madeira sobe, criando-se condições propícias para o aparecimento de agentes de degradação como são os fungos, os insetos e as térmitas. De uma forma simples, é sabido que se mantivermos o teor de água dos elementos de madeira abaixo dos 20%, o risco de degradação é mínimo. Esta deve ser a nossa principal medida de prevenção.

Depois, sabemos que há espécies de madeira que apresentam uma durabilidade natural mais adequada a determinadas aplicações. Cabe ao projetista não só a responsabilidade de efetuar os cálculos de segurança, assim como selecionar as espécies de madeira mais adequadas para uma dada aplicação. Caso a durabilidade natural não seja suficiente para o nível de agressão que a envolvente à aplicação representa, é preciso tratar a madeira. Contudo nem todas as espécies de madeira são suscetíveis de serem tratadas, ou admitem o mesmo nível de tratamento.

A durabilidade de uma construção de madeira está muito associada ao pormenor construtivo. A pormenorização deve promover a ventilação da madeira e evitar a acumulação de água em contacto com a madeira. Deve-se procurar reduzir o contacto direto da madeira, em particular na sua direção longitudinal (é nesta direção que estão alinhadas as fibras pelo que se torna fácil o transporte da água no interior das fibras nesta direção), com todas as possíveis fontes de água.

A madeira é fácil de trabalhar, de cortar e de furar. É uma facilidade que por vezes representa uma desvantagem. Ao ser fácil trabalhar, proporciona muitas vezes um menor cuidado em obra, ou uma certa desvalorização. É comum assumir-se que mesmo alguém com limitadas aptidões de construção ou mesmo de trabalhos manuais, não teria muita dificuldade em edificarcom madeira. Este aspeto menos tecnológico, mais arcaico, é bastante penalizador para a construção em madeira e não deixa de estar inteiramente errado. A construção em madeira usa hoje os mais modernos processos tecnológicos e digitais disponíveis. Quando se fala agora na importância da pré-fabricação, da digitalização e por exemplo do BIM, a indústria da madeira é preconizadora nestas áreas. A construção de madeira é por definição pré-fabricada. Hoje em dia, todos os elementos da construção em madeira são desenhados, produzidos usando tecnologia CAD/CAM e CNC. O rigor é da ordem dos milímetros.

Tendo por base a analogia acima apresentada da constituição da madeira de fibras orientadas no sentido longitudinal do tronco, torna-se fácil entender este conceito. A madeira apresenta desempenhos físicos e mecânicos diferentes consoante a direção relativamente às fibras. Na direção das fibras, a sua resistência mecânica, tração e compressão, é elevada. É nesta direção que a porosidade é maior pelo que nesta direção é fácil para a água circular no seu interior. Já na direção perpendicular, a resistência à tração é muito baixa. A resistência à compressão perpendicular às fibras é inferior àquela na direção paralela, mas apresenta um comportamento dúctil interessante, explorado sabiamente pelos mestres carpinteiros no desenho das ligações de carpintaria com os seus entalhes, respigas, mechas, etc.

Uma ligação representa a união de vários elementos. Estes elementos apresentam normalmente diferentes direções, inclinações, etc. Sabendo nós que a madeira é um material anisotrópico, cujas propriedades físicas e mecânicas dependem da direção, torna-se mais fácil aceitar que as ligações representam os elementos mais fracos da construção em madeira. Desde logo temos elementos com comportamento distintos pois estão submetidos a esforços com direções distintas relativamente às fibras. Os ligadores mais utilizados na construção em madeira são os ligadores tipo cavilha – parafusos, pregos, cavilhas, etc. Estes ligadores transmitem os esforços essencialmente por corte. Hoje já há ligadores que transmitem parte dos esforços por forças axiais, mas o desenho das ligações deve ter em conta que a transferência dos esforços se realiza essencialmente por corte dos ligadores (com deformação do ligador e esmagamento localizado da madeira).

 

O que torna tão especial trabalhar a madeira é que para termos sucesso é necessário conhecer, entender o material que estamos a utilizar. Por exemplo, podemos ter feito os cálculos mais rigorosos e mais fiáveis, mas optamos por uma espécie de madeira que não apresenta a durabilidade adequada para a aplicação, e com certeza, teremos uma construção com uma vida útil curta e com um desempenho insuficiente. Uma coisa é certa, quando munidos deste conhecimento, construir com madeira é fantástico.

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